Leitura: Proteja seu Coração - II
- Gabriel Chico
- 12 de set. de 2016
- 9 min de leitura

Autor: Sabrina de Ferreira
Publicação: Janeiro de 2016
Tema central: Drama, ação, filho adotivo e hospital
Páginas: 37
II
– Saia, Figueira. – ordenou Meeiras puramente profissional, sem fitá-lo.
Às escondidas, um pouco desapontado, o jovem policial civil, Fernando Figueira, retirou-se do recinto, fechando a porta lentamente a sua vanguarda. O silêncio invadiu a sala de Emanuel, deixando claramente o nervoso que Ishmael ainda demonstrava em sua respiração quase inaudível. Ao tentar deslocar a sua atenção para outros assuntos, Ishmael notou estar em uma sala integralmente branca e parda, com apenas alguns pontos de objetos inanimados e acessórios da cor preta, bege e marrom.
Adias tentava distinguir as cores que o cercavam, no entanto, não alcançou seu objetivo de obliterar o fato de seu pai adotivo estar de pé há alguns metros de distância atrás do mesmo. Meeiras suspirou fundo, revendo os seus passos e pondo a mão da consciência ao constatar ter agredido seu único filho. Foi um movimento rápido de sua mão, mas que deixou uma marca avermelhada na nuca de Ishmael. Poderia não ser o filho mais amado ou, ao menos, ser um filho aceito na família, entretanto bater nunca é a solução, matutava Emanuel.
– Perdão... – sussurrou ele sem expectativas de ouvir respostas.
Meeiras esfregou sua mão esquerda na testa, seguindo até o fim de seu segundo pequeno queixo. Sua mão continha uma coloração azulada fraca nas pontas dos dedos e unhas. Respirou como se lhe faltasse ar nos pulmões, admirando o belo teto que possuía a sua sala. Imaginou ele agora o delegado dessa mesma delegacia, onde se ocupava trabalhando, talvez ele pressionasse Ishmael até tirar cada gota de uma culpa ou, por falta de provas que o incriminassem, o liberasse, tendo-o avista para qualquer lugar que fosse a partir de agora. Limitou-se a pensar mais ou, até mesmo, de desculpar-se para alguém que parecia não querer lhe dar ouvidos. Locomoveu-se então até a quina de sua mesa, onde podia ter total visão do rosto cabisbaixo e decepcionado de Ishmael. Um pouco mais paciente, Emanuel decidiu usar outros métodos:
– Não precisa pensar antes de responder. – começou ele. – Você foi encontrado conversando com um meliante supostamente chefe de uma quadrilha de tráfico, em plena manhã dessa terça-feira. Ao avistar um policial, ambos correram, mas somente você foi pego. O que exatamente você estava fazendo na comunidade dos Du Vun?
Reaquistando as memórias daquele acontecimento, sem fitar o seu pai adotivo, Ishmael viu-se novamente junto a Jojo dentro daquele veículo chacoalhando, com mais alguns homens – deveriam ser sete homens ou mais, Adias não conseguia contar com precisão. Jeremias e Romário foram nomes que ele ouviu em alto, mas não captou a quem eles pertenciam. Enquanto encarava o lado direto do jipe, vendo toda uma comunidade carente de atenção e segurança, Ishmael afundava-se a uma imensa sensação de vazio dentro de si. Reparando a feição desanimadora de Adias, José Carlos, que preferia se chamar de Jojo, depois de certo caminho já percorrido, obrigou o jovem de casaco azulado e feição desanimadora a pôr uma venda preta em seus olhos.
A maior parte dos homens escolheu ficar de pé no jipe, escondendo suas armas no solo do veículo, já Adias, com sua venda, preferiu sentar-se. O automóvel sacolejava e vascolejava a todo o momento. As ruas da comunidade dos Du Vun não eram inteiramente asfaltadas, o que dava a sensação de estar pisando em cacos de vidros. Manter-se dentro do veículo junto a pessoas como as próprias, oferecia a Ishmael uma percepção de que tudo estava sendo feito da maneira errada, porém ele não via motivos para reconsiderar. Necessitava daquela coisa que só os mesmos poderiam lhe dar a tempo. Conseguir legalmente seria um milagre. Pensou Ishmael.
– ‘Tamo chegando, príncipe. – anunciou zombeteiramente Jojo, criando algumas risadas ao final da frase no jipe. Alguns segundos depois, a venda preta nos olhos de Ishmael foi retirada por Jonathas, um garoto que parecia estar vivendo no mundo errado, em razão de estar sempre com uma gentileza guardada no bolso para a próxima vítima.
Um pouco desapontado, Adias reparou que nada mais era que um estabelecimento fechado e abandonado, mas com ainda vidas morando dentro como um hotel. Ishmael, sendo um infeliz veterano neste conteúdo, já tinha pisado em lugares como esse, procurando pessoas como essas, porém sempre saía de mãos vazias. A sua procura já tinha sido concluída quando reparou não haver mais escapatória, não mais que esperar o átimo. Todavia, Adias não se dava por vencido tão cedo, estava agora na sua quinta visita consecutiva a uma comunidade ou a um local a qual pudesse achar e dialogar com pessoas do ramo sujo e ilegal.
– Ainda estamos em Du Vun? – Ishmael perguntou em voz alta, não recebendo nenhuma resposta de princípio.
Ao descer forçadamente do jipe aberto atrás, atentou-se aos detalhes a sua volta, percebendo ser como um ponto de tráfico dos mesmos. Parecia estar dentro de um palácio abandonado ou um cinema antigo fechado. Os indícios de ser um cinema antigo eram fortes, já que existiam cadeiras muito próximas visualmente as que se encontra em um nos tempos de hoje. Adias limitou-se a procurar por mais detalhes ao contemplar um homem branco, alto e musculoso andar em sua direção com óculos escuros e uma blusa bege.
José Carlos, com preferência a “Jojo”, imediatamente saiu de perto de ambos levando consigo todos os outros que estavam dentro daquele pequeno e agora vazio veículo. Todos cantavam e pareciam estar felizes com apenas nada. Um dos olhos do homem branco era caramelizado e pequeno, o outro era de vidro com uma pequena rachadura. A sua calça desbotada parecia se encontrar assim propositalmente.
– Você ‘tá bem longe de Du Vun agora. – informou o homem que demonstrava ser alguém em torno dos vinte anos de idade, um pouco mais velho que Ishmael. Ambos estavam parados ao lado de um carro antigo sem portas, vermelho fosco completamente apagado e enferrujado. Ao redor estavam as tais cadeiras quebradas com aparência de bancos de cinema, eram poucas.
– Já tem o que eu preciso? – lembrou Ishmael o motivo de estar ali, evidenciando não querer conversa agora. Ele parecia um pouco apreensivo, já que aquele estabelecimento antigo tinha grandes áreas abertas, dando total visão a quem passava por perto.
O homem com seu olho de vidro rachado, simulava estar em pensamentos profundos. Olhou para trás, fazendo um sinal com um de seus indicadores da mão esquerda para um homem baixo, um pouco mais atrás de todos, com um nariz amassado, uma blusa lilás clara e velha e com uma barriga alavancada para frente. Ishmael sugeriu em seus pensamentos que ele devesse ter em torno de trinta a quarenta anos de idade, mas nada confirmado. Seus olhos negros pareciam ter o poder de enxergar a alma de Adias, que subitamente se sentiu fraco e oco. O homem trazia consigo uma espécie de frigobar nas mãos, pequeno e portátil, mas que dava ares de ser pesado.
Antes mesmo de abrir o recipiente para checar se realmente havia o que ele necessitava, o homem advertiu-o precisar enxergar toda a quantia de dinheiro antes de entregar-lhe. Sincronicamente com a frase do homem branco com um olho de vidro ainda sem nome, Ishmael puxou a cifra de seu bolso. O dinheiro estava amarrado com uma corda de barbante. Totalizando dez mil reais, em cem notas de cem reais, este tufo de dinheiro estava guardado em um os bolsos do casaco cinza-azulado do mesmo. No bolso ao lado, tinha mais um bolo enrolado a uma corda de bastante, totalizando mais dez mil reais, em cem notas de cem reais.
– Eu disse cem mil, não vinte. – rosnou rudemente o homem branco. O negro com sua barriga alavancada bem lado dele, com o frigobar pesado apoiado ao carro velho vermelho fosco enferrujado.
– Eu sei disso, mas... – começou falando Ishmael, todavia, ele foi interrompido por um som que irrompeu no ar, deixando todos silenciados à espera do próximo barulho para entenderem melhor o que poderia ser.
O local onde todos permaneciam em pé era, como Ishmael Adias suponha, uma espécie de palácio abandonado há alguns anos. Na realidade, era um hotel cinco estrelas muito famoso na década de 90. Mas no momento atual, é somente mais um estabelecimento fechado onde moradores de rua ou pessoas do tráfico se encontram. O som que prorrompeu o ar era uma voz de um policial aparentemente jovem. Não demorou tempo suficiente para Ishmael reconhecer o policial civil Fernando Figueira, um pouco inexperiente, correndo em direção à parte do local abandonado, onde era vital a falta de pedaços na parede.
O policial civil conservou-se em passos pequenos e rápidos, como uma leve corrida. De longe, talvez ele estivesse notando ser traficantes um tanto conhecidos que Ishmael admitia somente para si mesmo não os conhecer tão bem assim a ponto de saber seus nomes e histórias, já que, talvez, isso o fizesse repensar melhor e desistir. Fernando, com seu cabelo crespo e pequeno, grudado ao coro cabeludo, tendo perfeitos pares de olhos e orelhas e uma boca larga e grossa, corria em direção aos homens. Negro com uma mente vazia cheia de preconceitos e objetivos, assim Ishmael via Fernando.
– Não corre. – resmungou ele para o homem branco.
Adias esforçou-se para fingir não haver nada demais entre eles. Como uma simples conversa entre amigos em um lugar totalmente abandonado e mal cheiroso. Apesar disto, o homem ainda desconhecido, com apenas um olho bom, tendo outro de vidro rachado, correu velozmente para a saída mais próxima, levando consigo o homem negro com o nariz achatado e com uma blusa lilás velhaca que, por sua vez, deixou cair ao chão o frigobar portátil, fazendo com que o mesmo abrisse-se e caísse a tal coisa que se refrigerava ali dentro. O coração de Ishmael quase saiu pela sua boca ao ver que tudo estava destruído, pois uma vez em contato com o chão, nunca mais poderia ser utilizado, não da maneira correta e cem por cento ideal.
– Ei! Você aí! – gritou Figueira correndo em sua direção um pouco devagar, já que ele aparentava rendição.
Ishmael observou que todos, até mesmo os que não estavam na negociação, correram. Ele não pode fazer outra coisa a não ser segui-los. Na parte do edifício onde era vital a falta de pedaços na parede, existia um beco sem vida com paredes ocas por dentro bem ao lado do local onde ele decidiu adentrar, Ishmael sentiu suas pernas doerem, reparando o que a falta de muito exercício podia causar. De certo modo peculiar, aquilo o fez sentir-se vivo por alguns segundos, até tropeçar em um pedaço fundo no solo e cair de queixo com o impacto. Os homens a sua volta, que também corriam não só do Figueira, mas também de outros três policiais, seguiram para direções opostas ao depararem-se com o fim do beco limitado.
De reflexo, Ishmael fitou os policiais a sua retaguarda sobre os ombros. Fernando Figueira permanecia perto o bastante para deixa-lo assustado. Levantou-se do solo duro e gélido e locomoveu-se traçando o caminho rumo à saída daquele beco. Do lado de fora, se viu em meio a uma população grande cheia de pessoas vazias, buracos de sirenes e vozes berrantes. Com caras e bocas de todos os estilos e tipos. Mulheres de vestido longos e bonitas e homens narigudos de terno e gravata. O relógio central, grande e barulhento, soou. A cidade grande sempre deixou Adias um pouco desnorteado, mas nada que ele não pudesse controlar em uma corrida como esta.
– Volte aqui! – rugiu um dos outros policiais que Ishmael não reconhecia.
O pequeno número de policiais que os perseguiam foram se dispersando para pessoas avessas. Mas desconformes estes policiais, Figueira imaginava Ishmael como uma carniça morta ou o seu último caso como policial. Adias meramente focou-se em outras situações a sua volta. Bebês chorando, mulheres rindo ao celular, homens efetuando problemas matemáticos sobre suas contas bancárias mentalmente ou... “Desculpa!” gritou Ishmael ao esbarrar em um senhor de idade, cuja feição demonstrava tristeza. O estado de devaneio de Ishmael não tinha acabado, pois ainda optava em compenetrar-se nos sons alheios à sua volta.
Havia uma escada para o subsolo, onde o metrô passava. Deveria estar cheio pelo horário matutino, mas Adias não conseguiu pensar em outra coisa. Correndo em direção às escadas, pensou ter desviado a atenção dos policiais para outro cidadão, agora estando livre dos mesmos. Porém, somente para ter certeza, pulou a catraca do metrô principal, deixando alguns indivíduos frustrados, entrando no primeiro vagão que observou estar aberto a sua vanguarda. O metrô estava realmente lotado, não havia espaço para sentar. Respirou fundo, tendo a péssima sensação de estar passando mal, vendo o mundo a sua volta girar. O metrô começou a seguir seu curso, fechando as portas.
Ishmael segurou-se a uma barra de ferro, admirando uma das janelas fechadas que apenas mostrava o reflexo de seu rosto completamente dominado pelo fracasso de seu dia. Bufando por falta de ar nos pulmões e lugares para sentar. Para completar o dia repleto de fracassos, pensou Adias, ele descobriu que sua fuga tinha sido ineficaz, pois a mão de Fernando tocou em seu ombro. “Como vai, seu policial?” abatido, perguntou ele ironicamente com um sorriso falso.
Acompanhe o livro:
Agradecimentos e Esclarecimentos
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Epílogo
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