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Leitura: Proteja seu Coração - I

  • Gabriel Chico
  • 5 de set. de 2016
  • 5 min de leitura

A teoria de tudo

Autor: Sabrina de Ferreira


Publicação: Janeiro de 2016


Tema central: Drama, ação, filho adotivo e hospital


Páginas: 37


I


Intitula-se por Ishmael Adias o homem que, como ocasionalmente ocorria por volta daquele horário, depois de uma nova tentativa infrutuosa de fuga, mantinha-se sentado cabisbaixo na cadeira do policial mais bem preparado do local. Ishmael transmitia insegurança na respiração que permanecia baixa quando pensava no que poderia acontecer com ele agora. Senhor Meeiras fitava-o apoiando seu tronco na quina da mesa de sua sala. Com sua farda e seus olhos azuis profundos, ele tentava compreender o intuito que moveu Ishmael a querer agir de tal modo indiferente do próprio naquela tarde de final de março.

Os pensamentos de Ishmael eram outros, no entanto. Via-se no direito de argumentar pela milésima vez seguida para o mesmo policial que sempre o pegava com as mãos escurecidas de uma sujeira que, na maior parte das ocasiões, não era dele, mas apenas o próprio sabia disso. Ishmael percebeu Senhor Meeiras levantar de sua inclinação desagradável na quina da mesa, dando um corte no meio da sala com seus pés. A visão de uma mesa marrom de tamanho normal a sua frente já era habito agora, com uma grande janela com persiana atrás da mesa, dando a sensação de que todos no recinto os observavam.

Emanuel Meeiras admirava a nuca de Ishmael tentando entender onde havia errado com ele. Pensou em várias frases de efeito para serem ditas, entretanto, todas pareciam querer fugir de sua boca de lábios finos e compridos quando o mesmo tentava pronunciá-las. Tantas frases com tantos efeitos já tinham sido aplicadas com Ishmael, que agora o poder delas se limitava a nada. Pensando nisso, esperou o momento mais vulnerável de Ishmael para agir de modo como sempre teve vontade: sovou a nuca descoberta pelo casaco de lã dele com força. Ishmael Adias teve seu corpo estremecido, a dor foi momentânea, mas o fez recobrar as lembranças de como tudo aconteceu...

– Bom dia, Seu Adias! – gritou o homem negro, com seu bigode bem feito tampando o seu sorriso, do segundo andar de uma casa simples e, ao que tudo indicava, ainda inacabada.

– Bom dia Marcus. – exalou confiança na voz em resposta gritante, visualizando o segundo andar.

A comunidade estava cheia – de casas e de pessoas de todos os tipos de cores. O corredor entre uma casa simples e outra era estreito e a multidão era em dose tripla, mal se podia caminhar. O som de um ritmo musical soava alto como num alto falante. Ishmael estava com seu casaco de lã e sua calça jeans folgada como de costume. O casaco era cinza-azulado e deixava apenas diante dos olhos os dedos magros e compridos do mesmo; a calça jeans larga não era de marca famosa, sequer tinha uma marca escrita na retaguarda.

Algumas das meninas do bairro daquela comunidade o encaravam atentamente. Cada passo dado por Ishmael as deixava boquiaberta pela sua beleza diferenciada, pois na região existiam apenas negros ou brancos desprovidos de elogios femininos. Seus olhos negros, pele clara, com a barba insinuando sair de seu rosto tendo pontos vazios, um sorriso branco e comprido. Orelhas rosadas, lábio imperceptivelmente grosso com cabelo negro ondulado. Sobrancelhas extremamente grossas, mas surpreendentemente belas e uma pequena pinta acima ao lado direito de uma boca. Esse era Ishmael Adias.

A comunidade parou em certos pontos de vendas e diálogos alheios ao ver alguém totalmente diferente entrar em sua região. Alguém como Adias não era tão bem visto como o mesmo era aos arredores de sua casa, porém todos da região somente calavam-se com a sua presença, nada mais faziam. Sua visita era cotidiana e a sua presença era insuportável para muitos, agradável para poucos. Todavia, nada o fazia querer suspender as visitas. Tinha amigos e colegas de vista por lá. Um lugar longe de sua casa, não era apenas um lugar, era uma dadiva, pensava Ishmael.

De súbito em meio à caminhada até o início do morro da comunidade, acima de sua cabeça, uma bala sibilou. Ele pôde sentir um arrepio na espinha o impedir de andar, olhou ao redor e unicamente viu mães desesperadas com crianças inocentes correndo para casa onde tinha pais preocupados. Incomum foi o ato de Ishmael de permanecer do modo como estava, avistando um carro poluído de pessoas com seus cigarros nas bocas carentes de dentes limpos e armas para o alto. Parecia não ter muito espaço dentro daquele pequeno jipe aberto que chacoalhava a cada movimento brusco. O jipe parou na frente de Ishmael, que agia como se tudo não estivesse fugindo de seu dia a dia.

Um dos homens, com seus dreads e um sorriso tão branco quanto de Adias, deixou uma cabeça decair para fora na parte de trás do veículo. Seus lábios eram carnudos e um pouco rosados, o homem possuía uma singela barba crescente. Fitando Ishmael bem de perto, como se o mesmo fosse um animal em exposição no zoológico, o homem decidiu proferir:

– Príncipe?

– Futuramente rei. – resmungou Ishmael em resposta.

Tanto a pergunta do homem com seus dreads como a resposta do homem com seu casaco de lã cinza-azulado, eram um código entre os mesmos para a eventualidade de não atinarem as aparências um do outro; por fim, falharem na tentativa de achar o outro.

Constatando ter se deparado com o indivíduo certo, o homem negro sem blusa, com algumas tatuagens em volta do pescoço que não eram fáceis de ver – pois seus dreads bloqueavam a visão de terceiros – articulou seu nome: José Carlos, mas esclarecendo que preferia ser chamado de Jojo. Prontamente estendeu sua mão direita na direção do rosto de Adias, fazendo-o com que pegasse a mesma para projetar um impulso, levando-o para cima do jipe junto aos os demais. O sorriso malicioso que cresceu na boca do homem ao tocar na mão de Ishmael era recíproco.

Relembrando o momento em que as coisas começaram a acontecer, Ishmael notou que a dor sumiu fugazmente. Seu corpo realizou um movimento de queda que, por pouco, não o fez cair da cadeira, já que o Meeiras golpeou-o de espavento. Sem interrupção, o policial Figueira, vendo grande parte da ação pela persiana da grande janela – que o permitia ver a mesa marrom, com Adias atrás da mesma sentado em uma cadeira com o policial Emanuel um pouco mais atrás – deu meia volta partindo rumo à porta da sala que ficava às costas de onde Meeiras estava. Ishmael se conteve ao notar que estava prestes a derrubar sua primeira lágrima de ira.

– Senhor Meeiras? – indagou Fernando Figueira, o policial jovem ainda inexperiente para o seu atual cargo. Sem respostas, ele prosseguiu. – Sei que ele é seu filho, mas controle-se... – fez uma pausa. – Ou feche à persiana. – brotou a ideia na cabeça de Emanuel Meeiras sobre seu filho Ishmael Adias. Figueira nunca gostou do filho único do tal policial que possuía com maior admiração do delegado.

Ishmael era filho de Emanuel desde seus oito anos de idade, o próprio não se lembrava de sua vida antes disso. Sua mãe adotiva morreu no parto do primeiro filho biológico. Meeiras nunca quis ter um filho, mas sua esposa sempre rezou para que um caísse sobre seus braços. Agradando a mulher, trouxe um órfão para sua casa repentinamente sem saber que sua mulher estaria depois de dois anos à espera de seu primeiro filho biológico. O tempo passou, a barriga de Ellen crescia conforme a suspeita de Adias de que seu pai adotivo não o amava se estendia.

Ao falecer no parto levando seu recém-nascido junto, Ellen o fez prometer que nunca deixaria Ishmael cair sobre coisas erradas e entrar em becos escuros que a vida o persuadiria a entrar. Com desgosto na voz, ele confessou que iria tentar cumprir. Não houve muito diálogo depois disso. O enterro foi rápido e simples. Tão rápido que Ishmael mal se lembrava do rosto de sua mãe que partiu quando o mesmo estava prestes a completar nove anos de idade. Porém agora, vendo o rosto de hostilidade de seu pai adotivo, pensou nunca ter se sentido antes tão sozinho.

Acompanhe o livro:

Agradecimentos e Esclarecimentos

Capítulo I

Capítulo II

Capítulo III

Capítulo IV

Capítulo V

Capítulo VI

Capítulo VII

Capítulo VIII

Epílogo

 

Baixe o texto em pdf: clique aqui.

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